O mapa afetivo do renovado Mercado do Bolhão inclui uma Rua do Encontro, que desemboca na Rua da Alegria, e uma Rua dos Abraços, que conduz até à Rua da Saudade. O dia de reabertura foi um dia de reencontros, numa espécie de viagem pelo tempo até às memórias mais ou menos distantes do histórico mercado.
Velhos e novos, portuenses e visitantes, ouve-se falar várias línguas pelos corredores do Bolhão. A passo lento, de passeio, admiram-se as bancas coloridas, sentem-se os cheiros e escutam-se os sons – os de hoje a recordar os de antigamente, o presente a convocar o passado para a nova vida do mercado centenário.
“Ainda bem que conservaram isto. Uma pessoa vem sempre a pensar que está tudo diferente, mas não. A gente chega aqui e as vendedoras ‘Oh minha querida, meu amor’. Só isso... já tinha saudades”, confessa uma visitante, que era frequentadora do mercado antigo e não resistiu à curiosidade de regressar ao Bolhão.
Não foi a única: até às 13 horas passaram 20 mil pessoas pelo espaço centenário, e ao início da tarde a enchente mantinha-se. “Até pensei que a entrada fosse com senhas, mas não. Entrámos bem”, confessa com uma gargalhada.
“Isto é uma coisa fora do vulgar, é tudo novo. Ainda nem vi onde estão as pessoas. A gente já estava habituada, sabia que ia aqui, ia acolá. Mas que isto está muito lindo, está. Está ótimo. Vou ver se vejo as mesmas senhoras onde eu comprava as tripas, que era a dona Rosa. Agora, se calhar, já não é a mesma”, conclui, lançando para a amiga: “Temos de ir lá abaixo ver a Nossa Senhora.”
Duas gerações
Um pouco adiante, uma avó compra guloseimas com a neta. “Isto está muito mais organizado, está muito melhor. Está com outra disposição, mais moderno. Estava ansiosa, nunca mais abria. Mas sempre aconteceu”, congratula-se. “Ainda vou dar umas voltas a ver se vou comprar mais umas coisinhas. A primeira impressão é ótima, está muito bem”, acrescenta a avó.
A passagem de testemunho faz-se também ao nível dos comerciantes. Os históricos e os novos: são várias as novidades na reabertura do Bolhão. “Isto passou por uma fase de concurso muito rigorosa. A obra foi demorando, mas havia sempre aquela ânsia: ‘Quando é que eu vou abrir. Quando é que eu vou lá estar’. Hoje é o verdadeiro Bolhão, à moda antiga”, nota Pedro Catão, responsável pelo Sítio dos cogumelos.
“As expectativas eram boas. O Bolhão tem mais de 100 anos de história, e as pessoas que fazem parte da família do Bolhão, que agora integro. Estava com expectativas altas. O arquiteto fez uma obra fantástica. Está bonito, funcional. Só ouvi dizer bem. Estou à espera de fazer um bom trabalho”, acrescenta: “As pessoas estão a comprar. Muitos turistas, muita gente nova. Também as pessoas com mais idade, que fazem falta aqui. Vejo toda a gente a comprar, toda a gente a trabalhar muito bem.”
Rita Teixeira e Filipa Nogueira também se estreiam, com a banca Massas e Temperos. “Estamos a viver este dia com muito entusiasmo e alegria. Mas também com aquele bichinho de muito nervosismo”, confessa a primeira. “É uma adrenalina muito grande, porque efetivamente o mercado está cheio e está a correr tudo muito bem”, realça a segunda, admitindo uma dose extra de ansiedade: “Somos uma banca nova aqui no Mercado do Bolhão, a ansiedade ainda era maior. Mas está a correr muito bem. As pessoas estão a comprar, também estavam muito desejosas que o mercado abrisse. Estão a comprar – pelo menos na nossa banca não temos razões de queixa”, congratula-se.
“Hoje abracei muita gente”
Com muito mais anos de Bolhão, a dona Ilda confessa que o dia de reentrada no Bolhão foi “uma alegria”. “Até me vieram as lágrimas aos olhos, quando vi as pessoas a entrar pela porta. Foram quatro anos”, lembra a veterana comerciante, aludindo ao período em que o histórico mercado esteve encerrado. “Há quatro anos que não vinha aqui, hoje abracei muita gente. Hoje ficaram todos contentes. A maior parte das pessoas é de idade, e ali [no Mercado Temporário] havia escadas rolantes, elas tinham medo. Hoje vieram ver”, acrescenta, concluindo: “Hoje, ui... É muita confusão. A gente não está habituada a isto. É muita gente. Mas vai ser bom.”
Já meio retirada do comércio, dona Alzira ainda se encontrava sentada atrás do balcão da padaria com o seu nome. “Eu já não estou aqui, agora quem está é o meu genro. Eu estive cá 57 anos. Entretanto eu fiquei doente, quando mudámos lá para cima, e o meu genro abriu de novo. Ficou para ele”, explica.
Porém, não resistiu ao apelo do primeiro dia no Bolhão renovado: “Cheguei ali à entrada e vieram-me as lágrimas aos olhos. Tenho saudades. Hoje fiquei muito feliz pela abertura do Mercado do Bolhão. Agradeço muito ao presidente da Câmara, que foi espetacular para connosco”, agradece, antes de dizer que continuará a ajudar o genro “nestes dias em que há um bocadinho mais de movimento.”
“Os clientes vêem-me, conhecem-me. Ficam felizes por eu estar aqui, e eu feliz por estar com eles. Imensos clientes, pessoas que vêm ver-me. Havia muitas saudades”, suspira.
O saquinho de recordação
Omnipresentes, os sacos do Bolhão tornam-se um fenómeno instantâneo. “Vi de manhã que tinha sido inaugurado, até vi o presidente da Câmara a tocar o sino, e vim aqui ver. Sou de Paredes, mas sempre trabalhei no Porto”, explica outro visitante: “Comprei um saquinho, para recordação, e estou a gostar muito. Está muito bonito.”
“Eu vinha aqui muitas vezes, ao mercado antigo, e agora está muito mudado. Está muito mais bonito. Estou a gostar muito. Já sentia ansiedade. Está muito bonito. Estou a ver se vejo pessoas daquele tempo”, despede-se, prosseguindo na sua viagem pessoal pelas memórias do Bolhão.
Ao ritmo dos transeuntes, que se detêm a admirar as bancas, cada um faz uma viagem no tempo – até às memórias que tinha do Bolhão, ou pelas memórias novas que está a construir a cada momento. Debruçados nas varandas, turistas e portuenses contemplam o movimento que vai tomando conta do mercado renovado. A cada passo, em cada degrau das escadas, junto à fonte, nas entradas, os telemóveis, incansáveis, fazem registos instantâneos do primeiro dia do resto da vida do Bolhão.